-->

terça-feira, 18 de agosto de 2015

A base da nossa Ciência

Por Luiz Fernando F. Gelin 


O primeiro passo para a sabedoria é conhecer as coisas por elas mesmas; essa noção consiste em ter a verdadeira ideia do objeto; objetos são distinguidos e conhecidos pela sua classificação metodológica e nomenclatura apropriada; dessa forma a Classificação e Nomenclatura será a base da nossa Ciência.
Carl von Linee, 1735

        O ano de 2010 foi declarado pela Organização das Nações Unidas como ano internacional da Biodiversidade. Com isso, um dos principais objetivos da ONU é trazer à tona a importância da conservação da Biodiversidade. Mas como fazer isso sem conhecê-la?  O que conhecemos da biodiversidade?  Há quase 300 anos, Lineu sugeriu um modo de documentar a biodiversidade, a simples nomenclatura ajudaria a partir daí gerações e gerações de naturalistas na descrição e documentação das espécies de seres vivos.
 Durante os séculos XVIII, XIX e início do século XX, muitas expedições científicas foram realizadas. Naturalistas partiram pelo mundo e descreveram a maior parte de espécies que temos registro hoje. Atualmente, porém, profissionais que se dedicam a esse tipo de pesquisa são escassos. Mas, por quê? Já conhecemos a vida em toda sua extensão? Segundo o professor emérito de Harvard, Edward O. Wilson, não conhecemos sequer a ordem de grandeza do número de espécies que vivem na Terra. Em relação aos insetos, por exemplo, acredita-se que existam aproximadamente 1 milhão de espécies descritas, e estima-se um total entre 2 milhões e 30 milhões de espécies existentes. Ou seja, sendo muito otimista, 50% das espécies de insetos existentes foram descritas. Entretanto, sendo mais realista, entre 3% e 10% são conhecidas pela Ciência.
Com o avanço das Ciências tanto tecnológico como teórico, os pesquisadores deixaram de se preocupar com o básico.  A importância da taxonomia parece-me que foi esquecida pela maior parte da comunidade científica. Um dos principais argumentos é que a taxonomia não possui perguntas e hipóteses testáveis, o que a torna, sob o ponto de vista de alguns, desinteressante e menos importante que, por exemplo, estudos que envolvam ecologia experimental ou evolução molecular. Não quero tirar o mérito desses estudos, mas sim mostrar que a taxonomia merece credibilidade, ao menos, tanto quanto eles.
A taxonomia surgiu como a ciência que dá nome aos seres vivos. Apesar de ser tida como uma ciência puramente descritiva, a taxonomia tem suas hipóteses e metodologias adequadas para testá-las e vai muito além da descrição de espécies. Uma vez que se tem um objeto, é preciso compará-los com uma classe de objetos previamente identificados e descritos a fim de se confirmar a hipótese de que é a tal espécie. Portanto, a própria espécie é uma hipótese, cabe ao taxonomista comparar características e corroborar ou refutar a espécie, caso refute o caminho natural é descrevê-la como nova. Mas não para por aí, a taxonomia também está interessada em revelar as relações de parentesco entre essas espécies comparando caracteres. Dessa forma, juntando-as em grupos por suas semelhanças, e criando diferentes níveis hierárquicos.  Tanto esses grupos, quanto essas semelhanças são hipóteses a serem testadas. A simples descrição e comparação de espécies são o primeiro passo para o estudo das relações entre elas, e formam uma hipótese primária de parentesco, base para a construção de árvores da vida. Ainda que bem esclarecidos, muitos pesquisadores parecem não perceber que a taxonomia vai além da descrição. Por si só, o caráter descritivo já é importante, e é através da taxonomia que podemos nos referir a milhões de espécies já descritas, que sabemos onde estão e por que ali estão, que podemos explorar a evolução da vida. Isso faz dela uma ciência única e independente.
Agora, mais do que nunca, estamos vendo os resultados do esquecimento da mais antiga e fundamental das ciências. Os problemas com os quais nos deparamos hoje já foram alertados há 25 anos quando Wilson introduziu o termo “crise da biodiversidade” dizendo, em resumo, que a diversidade está sendo perdida antes que a conheçamos. De fato, muitas espécies foram e continuam sendo extintas sem terem sido descritas. Outra consequência dos problemas mencionados, ficou conhecida como “impedimento taxonômico”. Muitos cientistas se depararam com esse problema: estudar a biologia, comportamento, história natural de alguma espécie que carece de descrição. Milhões de espécies permanecem sem descrições.
Apesar de notáveis, os problemas que a falta da taxonomia trazem para a ciência parecem invisíveis aos olhos da comunidade científica. Com a falta de financiamento, pesquisadores são desestimulados a trabalhar em taxonomia, o que torna a carreira do taxonomista criticamente ameaçada de extinção. Essa extinção leva ao abandono de Museus de História Natural, Museus de Zoologia, Herbários e Jardins Botânicos e do acervo da vida já coletado. Estes centros possuem grande apelo estético que aflora nossa biofilia – sentimento intrínseco do ser humano pela natureza – e desempenham importante papel na educação e conscientização dos cidadãos de todas as gerações. Em um contexto de estudos científicos, os museus são espaços fundamentais para os estudos taxonômicos e funcionam como um arquivo de toda a biodiversidade conhecida. Para continuar mantendo seu papel, os museus precisam ter seus acervos bem conservados e atualizados. Cabe citar aqui a importância das revisões taxonômicas, através delas os dados depositados em museus, que não foram estudados ou que foram estudados há tempos, são trazidos à tona e organizados, revisados, comparados. A importância dessas revisões não está apenas relacionada à história natural das espécies ou grupos de espécies, mas também à história dos ambientes em que vivem (ou viveram) e até as mudanças geológicas e climáticas desses ambientes, pois além do ser coletado, as etiquetas trazem preciosas informações que nos levam a tais inferências. Sem a taxonomia deixamos de desvendar a vida.
É evidente o estado crítico em que esta ciência se encontra. Já é passada a hora de conscientizar novas gerações de cientistas e não podemos deixar de chamar a atenção de futuras gerações (não só de cientistas), pois quando a base da nossa ciência é ameaçada tudo que por ela é sustentado pode desabar. Já disse o taxonomista Quentin Wheeler “o custo de continuar a ignorar as necessidades da taxonomia é infinitamente maior do que o financiamento e a atenção que a taxonomia precisa nesse momento”.

 “Nossa geração é a primeira a realmente compreender o problema da crise da biodiversidade e a última com a oportunidade de explorar e documentar a diversidade de espécies do nosso planeta” (Wheeler, Raven & Wilson).


Para ler:

Diversidade da Vida, Edward O. Wilson, Cia das Letras, 1994.

Sobre o autor:

Luiz Fernando F. Gelin é formado em biologia pela Unesp, campus de São José do Rio Preto, onde conheceu  Lineu, Darwin, Wallace, Hennig e Wilson  além de outros naturalistas e acabou entrando no mundo da evolução, da taxonomia e dos insetos. Realizou seu mestrado no programa de Biologia Animal da mesma instituição, investigando as relações de parentesco entre as espécies de um gênero de vespas sociais (também conhecidas como marimbondos ou cabas). Algumas ferroadas depois, tornou-se aluno de doutorado e dá continuidade ao estudo da taxonomia e evolução, através da morfologia e dos genes, desses temidos insetos com comportamento intrigante.


quarta-feira, 24 de junho de 2015



PROJETO EM GRANDE ESCALA NA VERIFICAÇÃO GENÉTICA DE MADEIRA REALIZA TRABALHO DE CAMPO NA ESEC MARACÁ


Pesquisadora da UNESP realiza trabalho que tem como objetivo criar um banco de dados da distribuição genética de oito espécies arbóreas de interesse comercial de larga escala. Este banco de dados servirá de base para a construção de marcadores moleculares, que terá o intuito de melhorar técnicas de identificação de madeira ilegal, assim como verificação de espécies declaradas. 
É sabido que muita madeira é comercializada ilegalmente para abastecer o mercado europeu, o qual desde março de 2013 instituiu um controle para evitar a compra de produtos não provenientes de manejo sustentável. Assim, essa pesquisa tem muito a contribuir para o futuro da conservação dessas espécies, bem como com a integridade dos ecossistemas e da biodiversidade brasileira.
Além de Maracá, o projeto coletará em UCs do Amazonas, Pará, Amapá, Acre e Rondônia.

Fotos: Bárbara Rocha Venâncio


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...